Ilustração/Dias

Em 3 de maio é celebrado o dia mundial da Liberdade de Imprensa. Para falar sobre o tema “Liberdade de imprensa na era das Fake News”, o entrevistado deste ano foi o jornalista e escritor do livro Em Nome dos Pais, Matheus Leitão. Atual colunista da Revista Veja, Matheus já trabalhou em diversos veículos de imprensa, como a Folha de S. Paulo, Correio Braziliense, G1, Revista Época, entre outros. Por telefone, Matheus contou sobre a importância da imprensa para democracia, o combate as notícias falsas e fez uma homenagem ao jornalista assassinado no período da ditadura, Vladmir Herzog. 

Regis Thaiago – Como você analisa a liberdade de imprensa na era das Fake News?

Matheus Leitão – Nós estamos vivendo hoje essa era das fake news que tem atrapalhado muito. A pandemia foi uma das coisas que ficou muito claro o quanto que o mal do nosso tempo é essa era das fake news. Esse tanto de fake news atrapalhou as pessoas a lidarem com covid, a tomarem vacina. A sociedade como um todo acreditava em histórias mentirosas que estavam sendo repassadas via internet e atrapalharam a reação da sociedade brasileira; além da má gestão do governo federal. Isso só demonstrou a importância do jornalismo profissional e da liberdade para que a imprensa possa de fato fazer uma cobertura, seja do governo, seja de crises sanitárias como essa da pandemia. Só mostra a importância do jornalismo profissional. E que muito mais ainda, aumentar o número de jornalistas nas redações pra que a população receba a informação da melhor forma possível e de forma precisa. A gente fala muito dessa coisa da isenção, que é fundamental, mas a gente tem que ser muito preciso nas informações. E hoje em dia, temos de ser mais rápido também ao levar a informação. Então, tem essa contradição, essa queda de braço onde você tem de ser rápido e ter precisão. Pra isso precisa de profissionais de qualidade. As fake news levaram a criação de editorias dentro dos jornais que combatem as notícias falsas e servem para checarem fatos e informações o dia inteiro, e até mesmo informações repassadas por funcionários públicos do alto escalão, como o próprio presidente da república que volta e meia traz informações mentirosas sobre o que está acontecendo no país. Na pandemia ele fez isso o tempo todo. Tem até um inquérito no STF sobre informação errada que ele passou em uma live e está sob a relatoria do Alexandre de Moraes. A liberdade de imprensa na era das fake news é ainda mais necessária. Só mostra que a imprensa é fundamental em uma democracia, como já ficou claro em outros momentos da história, mas agora mais do que nunca para combater esse mal do nosso tempo.  

R.T. – Hoje, vejo muitos comunicadores sem responsabilidade ao que dizem ou publicam sem pensar no impacto que aquela informação têm. As redes sociais se tornaram mecanismos muitas vezes fáceis de manipulação da informação?

M. T. – Tem a decisão do supremo de 2009 onde excluiu a necessidade do diploma de jornalista para os profissionais da imprensa. Isso, na minha opinião foi uma decisão do Supremo que por mais que tivessem várias pessoas dentro dos próprios jornais, como cientistas políticos e outras figuras públicas na área de cultura que trabalhavam ali fazendo artigos; é muito importante o estudo profissional do jornalismo. A necessidade do curso do jornalismo. Porque esses comunicadores das redes sociais, muitos deles não tem essa formação e eles não entendem o processo de checagem de fatos. A cabeça deles gira em outra frequencia. Eles fazem um trabalho de dar a informação o mais rápido possível e muitas vezes dão informações erradas ou falam coisas que realmente extrapolam valores considerados universais, acima dessa polarização de esquerda ou direita. As redes sociais ajudaram em alguns aspectos, mas atrapalham muito em outros. É preciso que combata e se aja da sociedade brasileira como um todo para evitar que as redes sociais sejam usadas para o mal. Elas vieram pra ficar, você vai ter que conviver com elas. As empresas de comunicação exigir o diploma de jornalista mesmo com essa decisão do Supremo pra ter um contraponto desses comunicadores “de redes sociais”. Quando mais profissional for à imprensa tradicional, que cobre os eventos, melhor. Uma hora o leitor vai buscar informação de credibilidade nesses veículos. Eles vão chegar uma informação que ele viu nas redes sociais, nos órgãos de imprensa com seus profissionais trabalhando. Eu tenho essa preocupação, mesmo essa decisão tão antiga, quanto mais profissionais nas redações melhor. Os comunicadores das redes sociais erram muito, mas muitas vezes eles são mal intencionados e passam informações erradas. Muitos deles fazem parte de bolhas dos grupos ideológicos, por exemplo, da extrema direita, o bolsonarismo. Eles passam informações erradas o tempo todo. Meu filho Daniel veio me falar que tinha visto num comunicador desses que o Nazismo era um movimento de esquerda. Algo que já tinha sido falado pelo Araújo, então Ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro. O próprio presidente já deu a entender isso e é uma mentira, uma falácia. Os livros de história comprovam e as pessoas também. Por exemplo, como a própria Alemanha reagiu a essas declarações de integrantes do governo Bolsonaro falando; onde todo mundo sabe historicamente, é uma lógica, a gente não deveria nem estar perdendo tempo com isso. O nazismo foi um movimento que nasceu da extrema-direita.  Aí estava a embaixada da Alemanha negando uma informação dada pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil. E quando meu filho veio me questionar, eu fui e expliquei historicamente de onde veio o nazismo. Tem um livro muito importante, em dois volumes, o Diário de Winston Churchill, onde ele conta como ele viu nascer o nazismo na extrema-direita, na Europa e aí fui contando até sobre Chucrchill e o papel dele pra dar uma contextualizada sobre a Segunda Guerra. Mas é isso, estar o tempo todo tentando usar as redes sociais para algo positivo enquanto várias pessoas usam elas muitas vezes de forma mal intencionadas. 

R. T – Hoje, informação com credibilidade e qualidade são mais desafiadoras aos profissionais da imprensa?

M. T. – Sim. É muito desafiador porque a gente tem muitas vezes nessas checagens de fatos, feitas ali no calor do momento, as vezes está tendo um debate; esse ano vamos ter uma eleição presidencial, e as vezes um desses solta uma fake news e a gente tem que checar ali na hora, trazer essa informação. Tudo é muito desafiador nesse atual momento e é um momento dramático. É um momento dramático no mundo inteiro, as fake news não acontecem só no Brasil, é um fenômeno mundial, mas nós particularmente estamos passando por um momento delicado e preocupante em relação a nossa democracia. O atual governo ataca os órgãos de controle o tempo todo. Ataca o COAF, o Ministério Público está amordaçado por um Procurador Geral, Augusto Aras, que foi escolhido fora da lista tríplice, que era uma tradição e que estava se mantendo essa tradição desde dois mil e três.

O Ministério Público, lá em Brasília, eu como jornalista converso com muitos procuradores, sempre conversei, é meu papel, e eles falam da dificuldade que é trabalhar sob o comando de Augusto Aras. Já critiquei o Augusto Aras, o Procurador Geral na Coluna; essa crítica não é algo desconhecido que eu faço, eu faço ela publicamente na minha coluna. E a Polícia Federal a gente sabe de casos que ficaram público do presidente mudando superintendente, ou seja, tentando interferir na Polícia Federal. Mesmo depois da denúncia do ex-ministro Sérgio Moro, o processo terminou com o presidente Bolsonaro sendo absolvido. Foi até uma surpresa pra mim, diante do fato que o próprio Bolsonaro chegava publicamente e dizia que tinha que trocar o superintendente tal. Eu cubro Brasília desde 2000, tem 22 anos. Eu cubro pelos grandes jornais impressos, Folha de São Paulo, revista Época, por onde eu passei; G1, então, assim, todo mundo sabe, um presidente nunca mudou um superintendente assim. O diretor da polícia Federal indicado pelo presidente tem autonomia pra mudar e não se muda dessa forma como ele fazia. Então, é um momento muito dramático na democracia brasileira porque soma-se as fake news nesse momento do atual governo. Me lembra muito o livro de como as Democracias Morrem, onde ataca por dentro os pilares da democracia  e com isso, a imprensa, a liberdade de imprensa é cada vez mais importante e fundamental num quadro como esse que se formou. 

R.T. – As fake News podem ser um divisor de águas nessas eleições?

M. T. – Eu espero que os órgãos de controle, o TSE, que vai estar sob a presidência do Alexandre de Moraes, que na minha opinião tem feito um trabalho muito importante no Supremo em resistir aos arroubos do bolsonarismo, eu espero que o TSE esteja preparado para punir eventuais  candidaturas que estejam usando das fake news pra se beneficiar. Tem todo um movimento que foi feito, o WhatssApp tem novas regras, então, esperamos que as próprias redes sociais nos ajudem,  Twitter, fecebook, instagram, ajudem coibindo. Eles também poderiam investir cada vez mais na contratação de pessoas que possam checar essas informações e tirar do ar para as pessoas não terem acesso. São empresas que conseguiram um capital financeiro muito grande, eles têm verba para contratar profissionais para fazerem essa checagem. Há movimentos recentes mostrando que eles estão entendendo a gravidade do momento. Eu acho que os movimentos ainda estão aquém do que se pode acontecer nessa eleição e diante do que for comprovado do que aconteceu em 2018. Reportagens da jornalista Patrícia Campos Mello mostraram o disparo em massa de fake news e tudo mais. É importantíssimo que essas empresas nos ajudem. O Estado, através do TSE faça esse trabalho, mas que elas (empresas) sejam responsáveis por também ajudar a sociedade brasileira a enfrentar uma eleição que vai ser extremamente complicada ao enfrentar o combate as fake news. Como eu disse, tem feito movimentos, mas ainda muito tímidos e a eleição está aí, já já começa oficialmente a eleição. É necessário que as redes sociais estejam atuando em ajudar o Estado brasileiro a evitar que as pessoas sejam enganadas, porque isso atrapalha a democracia brasileira como um todo.

R.T. – A liberdade de imprensa é a única forma de manter viva a democracia no país?

M. T. – Sem imprensa livre não há democracia. Inclusive de 64 a 85, durante a ditadura militar, quando a imprensa foi perseguida, censurada, jornalistas foram presos arbitrariamente, sem direito a habeas corpus, torturados e mortos em prédios do Estado, como Vladimir Herzog. A ditadura prendeu um homem que era dramaturgo, jornalista, nunca pegou em armas para lutar contra a ditadura, muito pelo contrário, ele era a favor da resistência pacífica. Isso é um ponto importante, a extrema-direita fica o tempo todo dizendo que a ditadura lutava contra comunistas armados que queriam tomar o poder, e a minoria pegou em armas. E pegou porque em determinados momentos não se havia mais liberdade no país. A decisão foi a imprensa censurada, nossos colegas estão sendo mortos, torturados, o Supremo sendo atacado, Ministros do Supremo estão sendo aposentados e substituídos, Congresso fechado, Deputados, Parlamentares foram cassados. João Goulart não era comunista, era um trabalhista. Isso foi tudo, vamos dizer assim, uma Fake News daquele tempo pra justificar “eles tomarem o poder de forma violenta como eles tomaram”. Se fosse essa questão de que estava evitando que o comunismo estivesse chegando ao Brasil, eles poderiam ter devolvido o país um ano depois, em 65 pra eleições. Quem seria eleito provavelmente era JK, político mais popular naquele momento e ele não era um comunista. Então, tudo se cria desde aquele tempo para justificar as barbaridades, E não se tem justificativas para se matar um pai de família como foi Vladmir Herzog. Ele era diretor da TV Cultura, os militares foram até a TV Cultura e ele falou “no dia seguinte eu me apresento pra dar o depoimento”. Ele se apresentou no quartel e foi assassinado sob tortura, depois tentarem fingir o suicídio. A própria foto da ditadura prova que não tinha havido suicídio nenhum. A ditadura censurou a imprensa, calou os seus jornalistas, matou jornalistas e perseguiu até a morte. E a gente sabe por que isso acontece. Era um período que as pessoas não tinham informações básicas. Pra você ter uma ideia, teve um período de pandemia de meningite na ditadura e não se falava, porque as ditaduras não gostam de notícias ruins. Eles impediram que os jornais dessem as informações e a população foi pega de surpresa por essa epidemia. Eu conheço um caso, que já escrevi, com o titulo 15 anos em uma jaula, da Revista Época, você vai achar uma reportagem dramática de uma mãe que não soube lhe dar com a doença. O filho dela no período da ditadura com meningite e ela não sabia, porque a ditadura não deixava a informação chegar. A ditadura faz isso, atrapalha a informação circular, atrapalha a população brasileira. Esse menino teve uma febre muito alta e lamentavelmente ficando com sequelas. Quando ele cresceu as sequelas os levaram a ficar um pouco violento. Na cidade de Pires do Rio (GO), a família não sabia o que fazer. Era uma cidade pobre, aí já entra outros problemas do Brasil, a pobreza extrema, e a prefeitura ajudou a mãe a construir um quarto com barras de ferro, por isso eu chamo de Jaula, porque ele assediava os vizinhos. Aí ele acabou sendo colocado nessa jaula e nela ele ficou 15 anos preso. Uma história dramática que revela que se essa mãe soubesse, se a ditadura permitisse que informação chegasse para a população brasileira evitaria com que essa mãe passasse por tudo isso e até do seu filho ter essas sequelas. Ele poderia ter uma vida normal. E por outras circunstâncias da pobreza brasileira ser colocado em cárcere privado. Enfim, é muito triste, porque hoje em dia têm pessoas da extrema-direita que defendem o Ato Institucional Nº 5, que foi um dos mais violentos da ditadura e oficializou a censura de imprensa no Brasil. A censura é tão ruim que atingia a vida das pessoas nas questões mais básicas, relação mãe e filho, saúde pública e tudo mais. É muito triste. E sem liberdade de imprensa, gostaria até de fazer essa homenagem ao Vladmir Herzog que é um herói Nacional, essa que é a verdade. Deu a vida para que tivéssemos democracia e a partir daquele momento houve uma resistência maior a ditadura, inclusive dentro da imprensa brasileira. E foi um momento muito marcado na história do Brasil. É isso, sem liberdade de imprensa não tem democracia

Entrevista publicada no Jornal Massaguaçu em maio de 2022.